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20 de fev. de 2012

Alemanha versus o resto da Europa

Angela Merkel, premiê da Alemanha
A economia alemã tem sido uma das maravilhas do mundo durante os últimos anos. Enquanto o resto da Europa cambaleava, o desemprego alemão caiu para o nível mais baixo em décadas.
Esta semana a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, formada pelas economias desenvolvidas do mundo, lançou uma nova “Avaliação Econômica da Alemanha”. O maior desafio que o país enfrenta, segundo o relatório, é o de encontrar trabalhadores suficientes.
Ele recomendou medidas para incentivar que mais mulheres trabalhem. “Por favor aceitem nossas sinceras congratulações por terem uma economia bem gerenciada”, disse Angel Gurria, secretário-geral da OECD, num discurso em Berlim. O “modelo de crescimento do país foi muito bem sucedido ao navegar pelas águas turbulentas da crise”.
O sistema trabalhista alemão, com seus incentivos para fazer com que os trabalhadores façam turnos mais curtos, em vez de demiti-los, parece ter sido essencial para evitar que a taxa de desemprego do país subisse mais do que subiu durante a crise do crédito.
Mas a queda do desemprego desde então tem mais a ver com o fato de que a Alemanha – talvez sem intenção mas certamente com eficácia – conseguiu garantir que sua moeda esteja desvalorizada, tanto em relação a seus vizinhos quanto à maior parte do resto do mundo. Isso ajudou os exportadores do país e trouxe mais empresas para a Alemanha.

Durante a Grande Depressão, muitos países tentaram desvalorizar suas moedas para ganhar vantagens nas exportações contra seus rivais. A estratégia ficou conhecida como “beggar thy neighbor” [algo como “empobrecer o vizinho”]. Em geral, ela não funcionou porque outros países responderam com suas próprias desvalorizações.
Agora, alguns vizinhos da Alemanha foram reduzidos à pobreza. Eles não podem destacar uma página do manual da Depressão e desvalorizar sua própria moeda. Eles não têm mais moeda.
A criação do euro há mais de uma década primeiro pareceu fornecer uma bonança para muitos países que adotaram a moeda. O custo de seus empréstimos caiu, à medida que o risco da moeda parecia ter desaparecido e as taxas de juros convergiram com as taxas já baixas da Alemanha. Esse crédito mais barato os ajudou a emprestar dinheiro e crescer. Mas a maioria fez pouca coisa para conter os custos trabalhistas, ou para implementar reformas estruturais para ajudá-los a lidar com um ambiente em que eles não podiam mais reconquistar a competitividade através da desvalorização da moeda.
O resultado é que o custo de um trabalhador, que pode ser usado como uma métrica da competitividade entre as economias, caiu na Alemanha enquanto subia em outros países. Desde a crise, ele se estabilizou e até caiu em muitos países, mas não está nem perto de compensar a diferença. O custo alemão tampouco está aumentando.
Isso faz com que seja muito mais difícil do que antes para o resto dos países da eurozona competirem com a Alemanha. Os alemães estão corretos quando dizem que os erros cometidos pelos outros países – seja ao permitir bolhas imobiliárias na Espanha e Irlanda ou emprestar demais e não conseguir fazer reformas estruturais na Itália – causaram os problemas. Mas o euro se tornou uma camisa de força para as economias problemáticas que tentam se recuperar.
Para a Alemanha, os problemas de seus vizinhos ajudaram o país a concorrer com exportadores de fora da Europa, como o Japão e os Estados Unidos. O valor do euro é estabelecido pelos mercados, mas parece razoável pensar que ele é baseado em algum tipo de condição média da eurozona. Se a Alemanha ainda tivesse sua própria moeda, sem dúvida ela seria mais forte do que o euro agora.
O impacto das moedas pode ser observado este mês quando a Nissan, fabricante de automóveis japonesa, e a Daimler, fabricante alemã dos carros Mercedes, anunciaram seus lucros. A Nissan reclamou do yen, que torna muito difícil ganhar dinheiro exportando carros do Japão, enquanto a Daimler previu lucros altos se o euro continuar no patamar onde está. O euro perdeu um terço de seu valor contra o yen desde que a crise do crédito começou.
Vale a pena ler o relatório da OECD por causa de sua explicação sobre as políticas trabalhistas que os outros países deveriam considerar. Quando as coisas vão bem, muitos trabalhadores alemães fazem horas extras, mas não são imediatamente pagos por isso. Essas horas são creditadas em sua conta, e quando os tempos ficam difíceis eles trabalham meio período mas recebem o salário inteiro, e a diferença vem dessa conta. Outra política do governo permite às companhias reduzirem as horas de trabalho e o governo compensa dois terços do pagamento perdido.
Essas políticas sem dúvida reduzem as contratações quando as coisas vão bem, mas também seguram as demissões quando as coisas vão mal.
Nem tudo são rosas no mercado de trabalho alemão. Felix Huefner, economista sênior da OECD encarregado da Alemanha, disse-me que estava preocupado com o fato de que cerca de dois terços dos jovens trabalhadores alemães não têm empregos permanentes. Em vez disso, eles têm “contratos por tempo determinado”, que tornam mais fácil para as companhias demiti-los quando os contratos acabam. A Alemanha corre o risco de se tornar uma “sociedade de duas classes”, diz ele, com a maior parte dos trabalhadores mais velhos num grupo protegido e a maior parte dos mais jovens fora dele.
A eurozona também está começando a parecer uma sociedade de duas classes, com a Alemanha e alguns poucos países do norte na classe alta e a maior parte dos restantes na classe baixa. A França está em algum lugar no meio.
Dentro de cada classe, as atitudes estão endurecendo contra a outra. “O defeito de nascença do euro foi colocar culturas econômicas muito diferentes na camisa de força de uma moeda única”, escreveu o comentarista Jan Fleishhauer na revista semanal alemã "Der Spiegel" depois que um navio de cruzeiro italiano encalhou no mês passado.
“Seja honesto”, ele acrescentou. “Será que alguém se surpreendeu com o fato de o capitão azarado do Costa Concórdia ser italiano?” Ele perguntou se alguém podia imaginar que um capitão alemão, ou mesmo britânico, teria se comportado como o italiano.
Um jornal italiano, o Il Giornale, retrucou com um artigo de primeira página denunciando o comentário da Der Spiegel. “Somos pessoas a evitar, um fardo para a Europa”, escreveu o autor, Alessandro Sallusti. “Os alemães são uma raça superior. Já lemos isso nos discursos de Hitler.”
Os alemães estão cada vez mais irritados por ter de resgatar a Grécia e outros países, enquanto aqueles países reagem amargamente por serem obrigados a receber ordens de Berlim. O "Financial Times" reportou que “um jornal de direita da Grécia retratou Angela Merkel, a chanceler alemã, num uniforme nazista acima do título 'Memorandum macht frei' – em alusão ao memorandum no qual os credores estrangeiros da Grécia demandaram mais medidas de austeridade e ao slogan de Auschwitz”.
Uma das grandes conquistas da União Europeia foi o fim da possibilidade de guerra num continente que iniciou duas guerras mundiais no último século. Mas o euro parece cada vez mais um passo maior do que as pernas, ou talvez um passo menor do que o necessário. Uma união monetária não pode durar se os países seguirem políticas econômicas, regulatórias e fiscais muito diferentes.
A Grécia é uma estranha no ninho, um país que mentiu para ficar no euro e deveria ter sido ser expulso quando isso foi revelado há alguns anos. Mas outros países também estão em severa desvantagem em relação a Alemanha agora, depois de uma década em que os custos trabalhistas divergiram tão drasticamente. Nem a austeridade nem as reformas estruturais devem melhorar sua competitividade no futuro próximo. A inflação alemã pode ajudar, mas esta é uma ideia sem nenhuma tração na Alemanha.
O euro tem sido muito bom para a Alemanha, mas se o país quiser continuar colhendo seus benefícios, precisa fazer mais do que pagar de mal grado os resgates enquanto aumenta suas demandas. Depois de impor um primeiro-ministro não eleito aos gregos, a Alemanha agora quer que as eleições sejam postergadas para garantir que o governo continue seguindo políticas adequadas.
As duas classes da Europa ou precisam ter moedas diferentes, ou se tornarem mais integradas por meio de um acordo, e não pelo autoritarismo.
Um problema da política do “empobrecer o vizinho” é que os vizinhos não gostam dela. Durante a Depressão, eles podiam retaliar desvalorizando suas próprias moedas. Agora, eles simplesmente ficam irritados, e atacam a Alemanha da única forma que podem, com alusões nazistas, e, em Atenas, queimando prédios.
Tradutor: Eloise De Vylder/Fonte: Uol Notícias
 

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